Pesquisa aponta risco de fechamento de ONGs no curto prazo pela queda na arrecadação de receitas e falta de apoio governamental.
Alan Maia*
A sociedade civil sempre cumpriu, historicamente, um importante papel de apoio à população mais vulnerável nas periferias e favelas brasileiras diante do vácuo deixado pelo setor público.
Por conta da pandemia do novo coronavírus e das medidas de isolamento impostas pela quarentena, a queda da atividade econômica impõe riscos concretos à capacidade de gerar renda e prover subsistência à milhões de famílias do país. Diante deste cenário, as organizações do Terceiro Setor, popularmente conhecidas como ONGs, assumem novamente o protagonismo articulando ações em redes de solidariedade, em milhares de comunidades Brasil afora, arrecadando e distribuindo incontáveis toneladas de mantimentos e itens de primeira necessidade à população mais vulnerável.
Segundo o ‘Monitor das Doações da COVID 19’ mantido pela Associação Brasileira de Captadores de Recursos, no começo de maio de 2020, mais de 4 bilhões de reais já haviam sido arrecadados entre empresas, pessoas físicas e alguns governos locais para combater os impactos da pandemia nas comunidades de baixa renda e para ajudar a reforçar o Sistema de Saúde.
Estes números impressionantes, contudo, escondem um perigo: todo este afluxo de doações tem como destino, justo e imprescindível, a população e suas urgentes necessidades; mas como ficarão estas organizações de apoio, que são o braço operativo que alcança os territórios populares, com a queda de arrecadação que já está sendo sentida pelos seus gestores?
A organização carioca Agência do Bem, articuladora da Rede de Organizações do Bem, iniciativa presente nas regiões metropolitanas do Rio de Janeiro e de São Paulo, contando com a participação de mais de 800 ONGs, realizou a pesquisa “Impacto do Coronavírus no Terceiro Setor” ao longo do mês de abril com 231 diretores dessas entidades. O levantamento revelou um quadro alarmante: 59,1% tiveram queda de arrecadação de suas receitas acima de setenta porcento após o início da pandemia, e 82,7% preveem riscos concretos de fecharem suas portas no curto prazo ou terem de reduzir substancialmente suas atividades caso a situação atual não se reverta rapidamente.
No Brasil, segundo o Mapa das Organizações da Sociedade Civil, plataforma desenvolvida pelo IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, ligado ao Ministério da Economia, existem cerca de oitocentas mil entidades sem fins lucrativos atuando na defesa de causas e provendo serviços sociais à população. Outros estudos recentes indicam que este segmento representa 1,4% do PIB – Produto Interno Bruto nacional, gerando algo em torno de 2 milhões de empregos formais. Trata-se, portanto, de um setor econômico relevante, e principal ator a complementar as políticas públicas em atendimento às demandas populacionais, que se agigantam em tempos de calamidade como estes ocasionados pela pandemia.
Lideranças do setor se articulam para conseguir incluir essas organizações sociais em planos emergenciais do governo federal para a manutenção de empregos e de suporte a setores econômicos sensíveis, como o das micro e pequenas empresas. Neste sentido, já existem ao menos dois projetos em trâmite no Congresso Nacional. Um deles de autoria do deputado mineiro Eduardo Barbosa e outro apresentado pela senadora Mara Gabrilli, de São Paulo. A expectativa é poder proporcionar às ONGs os mesmos benefícios cogitados para outras pessoas jurídicas, como: abertura de linhas de crédito, alargamento do prazo de quitação de encargos sociais, e apoio para o custeio de folha salarial de funcionários.
A aprovação de tais medidas dará sobrevida ao setor, que tende a sofrer muito ainda até que a economia mundial se recupere. Garantir este socorro, além de imperativo ético, é estratégia vital para manter funcionais as vias que irrigam os canais de solidariedade que fazem chegar os donativos, que saciam a fome e salvam milhões de vidas, a quem mais necessita nas periferias e favelas brasileiras durante a batalha contra o coronavírus.
*Especialista em Gestão de ONGs pela Universidade de Harvard Empreendedor Social e Fundador da Agência do Bem
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