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Este (não) é mais um artigo sobre o soho Botafogo

Atualizado: 4 de jun. de 2020

Sílvia Borges Corrêa e Veranise Dubeux*



Há algum tempo a mídia impressa – sejam veículos de alcance nacional, como revistas e jornais de grande circulação, ou local, como os cadernos de bairro – vem noticiando uma transformação na parte leste do bairro de Botafogo, um quadrilátero que abrange as ruas Arnaldo Quintela, Assis Bueno, Álvaro Ramos e da Passagem. Essa transformação passa pelo surgimento de novos empreendimentos imobiliários residenciais, mas, principalmente, pela instalação de novos negócios, especialmente do ramo da gastronomia. São bares e restaurantes que dão nova cara a uma região que até há alguns anos era conhecida pelo grande número de oficinas mecânicas ali instaladas. Isso mudou. A região passou a ser referida pela mídia como Soho Botafogo, BotaSoho ou Hipsterlândia. Esses "apelidos" dão pistas das transformações em curso. Como pesquisadoras interessadas nas dinâmicas urbanas, percebemos ali uma oportunidade para compreender esse fenômeno em toda sua complexidade. Foi isso que fizemos ao longo de oito meses neste ano: pesquisamos o Soho Botafogo.

Queríamos mapear os empreendimentos ali presentes – em particular nos interessavam os empreendimentos ligados aos setores da economia criativa, queríamos saber qual era o perfil dos empreendedores; enfim, buscávamos entender as dinâmicas de transformação do local. Fomos às ruas, observamos, conversamos, entrevistamos, registramos e analisamos todas as informações levantadas. Descobrimos muitas coisas, entre elas que são em torno de 30 negócios ligados aos setores criativos, como moda, design, artesanato, dança e música, além da gastronomia. Entendemos que são brasileiros e estrangeiros que viram naquela região a possibilidade de abrir negócios que além de rentáveis, representassem a possibilidade de realização pessoal. Os primeiros que abriram negócios naquela região de Botafogo o fizeram em função dos preços dos imóveis e dos espaços disponíveis. Era uma questão de melhor custo-benefício, comparado a outros bairros da zona sul do Rio de Janeiro, como Copacabana, Ipanema e Leblon. A região leste de Botafogo apresentava, inclusive, imóveis com aluguéis mais baixos do que aqueles praticados no restante do bairro, especialmente no entorno da estação de metrô. Os empreendedores que chegaram mais recentemente, em 2018 ou 2019, escolheram Botafogo por ser um bairro considerado “descolado”, “despojado”. Para eles, a região leste atraía também pela presença de outros empreendimentos do mesmo perfil e porque pessoas conhecidas já tinham negócios na área, o que representava a possibilidade de estabelecimento de redes que potencializassem seus negócios. Descobrimos também que todas essas transformações que dinamizam social e economicamente a região e o bairro, que trazem novos moradores e frequentadores, acontecem à despeito do estímulo ou do apoio do poder público. Os empreendedores, inclusive, se ressentem da ausência e do apoio do poder público que não se faz presente para garantir o básico: segurança e infraestrutura.



Para além das questões específicas do Soho Botafogo, essa pesquisa nos estimulou pensar na cidade do Rio de uma forma mais ampla. Pensar na complexidade das dinâmicas urbanas que atravessam nosso cotidiano. Nas duas últimas décadas temos visto transformações de muitos tipos na cidade. No Centro, onde está localizada a ESPM, instituição na qual somos professoras, acompanhamos um processo de revitalização ligado diretamente aos grandes eventos sediados pela cidade e que teve o poder público como protagonista das intervenções urbanas. Vimos a instalação de importantes equipamentos culturais, como o Museu de Arte do Rio (MAR) e o Museu do Amanhã, a criação do VLT, a revitalização de bairros da zona portuária que passaram a atrair moradores e turistas. Em Botafogo estamos acompanhando uma transformação calcada na criação de negócios da iniciativa privada. Ampliando a perspectiva, podemos perceber que ambas – do Centro e de Botafogo – são transformações que se verificam globalmente, em várias cidades do mundo. A revitalização de bairros através de grandes projetos de intervenção de caráter público ou de movimentos de ocupação espontâneos de caráter privado nos mostram que a cidade é esse complexo e fascinante fenômeno que envolve aspectos culturais, sociais, políticos e econômicos. Seguimos pesquisando e acompanhando as transformações do Rio.

*Professoras do Mestrado Profissional em Gestão da Economia Criativa da ESPM Rio

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